Tráfico humano, a escravidão dos tempos modernos

Tráfico Humano

Por Daniel Machado

Mais de 2 milhões de pessoas são vítimas do tráfico humano em todo o mundo

“Eles me levaram para a Polônia, depois para Portugal, África e, então, para São Paulo. Em todos esses lugares, eu fui explorada sexualmente e obrigada a transportar drogas”. Este é o depoimento de Cristina, da República Tcheca, uma das duas milhões de pessoas que, segundo a ONU, são vítimas do tráfico humano, a terceira maior e mais lucrativa atividade criminal em todo o mundo.

O tráfico de seres humanos é considerado a escravidão dos tempos modernos, uma indústria que movimenta cerca de 30 bilhões de dólares anualmente. Pessoas são olhadas e usadas como mercadoria, seja ela para exploração sexual, trabalho escravo, adoção ilegal ou tráfico de órgãos.

Confira a primeira parte da reportagem


Tráfico para exploração sexual

O tráfico de pessoas para a exploração sexual é o mais comum em todo o mundo. As principais vítimas são mulheres entre 10 e 29 anos, solteiras que se encontram em situação de vulnerabilidade. No Brasil, este crime está associado à prostituição e ao recrutamento de garotas em regiões pobres e de dificuldades socioeconômicas. Mas segundo a advogada Tânia Teixeira Laky, este é um dado que vem mudando ano após ano. “Nós encontramos meninas que são aliciadas em universidades, em salões de beleza, agências de modelos, sempre com uma promessa de que lá fora ela vai ter uma carreira e uma vida melhor. Então, é um mito a ideia de que somente garotas pobres são aliciadas por esses criminosos”, relata a advogada.

Para Sueli Aparecida, coordenadora nacional da Pastoral da Mulher Marginalizada (PMM), muitas mulheres que recebem propostas de trabalho no exterior sabem que vão para se prostituir, mas não têm ideia de que serão exploradas.

Segundo relatório da ONU, é importante destacar que tanto nos termos do Protocolo de Palermo como nos termos da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, o consentimento da vítima é irrelevante. Não importa se ela sabia ou não que iria se prostituir, se concordou em ser transportada para trabalhar em outro estado ou país. Basta que o meio utilizado tenha sido a força ou outras formas de coação.

Mapa da exploração sexual no Brasil e no Mundo

Segundo dados da ONU, do Ministério da Justiça e da CPI do Tráfico Humano, o Brasil é uma rota receptora e intermediária para esse crime. Estima-se que existam mais de 200 rotas por onde se articulam as quadrilhas de seres humanos, que agem de maneira muito peculiar dependendo da região e do fim para a qual recrutam as pessoas.

Destrave- Tráfico Humano

Chefe da delegacia da PF no aeroporto de Guarulhos, o delegado Wagner Castilho “o trabalho da PF no aeroporto é o de coibir o crime mas também alertar as pessoas”

No nordeste, por exemplo, mulheres e adolescentes são geralmente recrutadas para se prostituírem nas regiões litorâneas, atendendo à demanda da turismo sexual. Capitais como Fortaleza, Natal e Salvador ocupam o topo da lista quando o assunto é exploração de mulheres, crianças e adolescentes para a prostituição. Já no Norte e Centro-Oeste do Brasil, a exploração sexual está ligada às quadrilhas internacionais de tráfico humano, onde mulheres e adolescentes são levadas para fronteiras de países como Suriname, Guiana-Francesa e outros países da América Latina, ou exploradas em garimpos. O sul e o sudeste, especificamente Rio de Janeiro e São Paulo, são considerados rotas receptoras e intermediárias, uma vez que possuem os aeroportos de maior tráfego aéreo do país e o maior volume de pessoas em portos e rodoviárias.

Quando o assunto é tráfico internacional, a situação fica bem mais complexa, uma vez que, embarcando para outro país, a pessoa não tem o amparo legal e a proteção que teria em sua pátria. Segundo o delegado Wagner Castilho, chefe da Delegacia de Polícia Federal do Aeroporto Internacional de Guarulhos, na Grande São Paulo, a maior dificuldade no combate às quadrilhas é que as pessoas que estão embarcando não se sentem vítimas. “As pessoas acreditam que estão indo para uma vida melhor no exterior; e quando elas são abordadas pela Polícia Federal, se sentem constrangidas, até nos dizem: ‘Vocês estão nos chamando de prostitutas?’. Neste caso, os agentes não podem fazer nada, a não ser orientar e alertar dos riscos de se estar embarcando sem uma comprovação legal por parte das autoridades do país de destino, como o visto de trabalho, por exemplo”, diz o delegado.

Segundo dados do Ministério da Justiça e do Ministério das Relações Exteriores, de 2005 a 2012, foram registrados 474 casos de tráfico internacional. Mas o número é bem maior, considerando que muitas pessoas não denunciam que foram vítimas deste crime, por medo, coação ou vergonha. Os países que mais receberam brasileiras (os) para este fim foram Espanha, Suíça e Suriname.

Tráfico Humano por país

Vítimas de tráfico de pessoas por país, segundo o Ministério das Relações Exteriores/Divisão de Assistência Consular

Tráfico para trabalho escravo

Uma outra modalidade do tráfico humano que vem crescendo de forma assustadora é o tráfico para fins de trabalho escravo. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) só no ano de 2012, 20,9 milhões de pessoas foram vítimas de trabalho forçado globalmente. No Brasil, Segundo o Conselho Nacional do Ministério Público, de 2000 a 2013 foram registrados 1.758 casos relacionados a tráfico de pessoas, sendo 1.348 destes recorrentes ao trabalho escravo ou a situações análogas a esta prática.

O trabalho escravo pode ser encontrado em todas as regiões do Brasil, sobretudo no campo, nas carvoarias, nos garimpos e canaviais que ficam nos interiores das cidades. Outra modalidade que também está merecendo destaque nos jornais, nos últimos anos, é o trabalho escravo urbano nas oficinas de costura e construção civil. As vítimas são quase sempre bolivianos, peruanos, paraguaios e haitianos recrutados e transportados pelos ‘coiotes’ para cidades fronteiras e, depois, para capitais como São Paulo. Estima-se que 300 mil bolivianos, 70 mil paraguaios e 45 mil peruanos estejam vivendo na região metropolitana de São Paulo, a maioria sujeita a condições de trabalho análogas à de escravo.

trabalho escravo - destrave

Roque Pattusi, coordenador do Centro de Apoio ao Migrante (CAMI)

Segundo Roque Pattusi, coordenador do Centro de Apoio ao Migrante (CAMI), entidade ligada à Pastoral do Migrante da Igreja Católica, as pessoas são aliciadas sempre com a promessa de trabalho e uma vida melhor, mas quando chegam, são colocados em condições sub-humanas. “Estas pessoas são forçadas a trabalhar até 18 horas por dia, dormem e comem na oficina onde trabalham, tomam banho uma vez por semana, respiram pó, têm os seus documentos apreendidos e precisam trabalhar até um ano de graça para pagar os custos da viagem até o Brasil”.

Segundo o Ministério do Trabalho, só no ano de 2013, mais de 330 autos de infração foram deflagrados em mais de cinco grandes confecções, que resultaram em 6,5 milhões de multas e 1 milhão em ressarcimento de rescisões de contrato de trabalhadores que viviam em situações de escravidão.

Para Paolo Parise, coordenador da Missão Paz, denúncia e fiscalização são as melhores armas para combater esse tipo de crime. “Se você souber que existe alguma oficina de costura perto da sua casa, ligue para a fiscalização, faça uma denúncia. Depois, se conhecer alguma marca que esteja associada ao uso desta mão de obra escrava, não compre esses produtos”, diz o sacerdote.

O disque denúncia da Secretaria dos Direitos Humanos (Disque 100) é o número para denunciar toda forma de tráfico, exploração sexual ou trabalho escravo.

Confira a segunda parte da reportagem

Tráfico de crianças e adolescentes

Segundo o UNODOC (Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes), 30% de todas as pessoas traficadas no mundo são crianças e adolescentes, usadas para fins de exploração sexual, trabalho escravo, tráfico de órgãos e adoção ilegal.

Uma prática que tem ganhado a atenção das autoridades é a adoção ilegal, quando uma mãe, família ou parente da criança é obrigado, enganado e/ou coagido a doar a criança a fim de burlar a lei e o Cadastro Nacional de Adoção (CNA).

Ivanise Esperidião, fundadora da Ong Mães da Sé

Ivanise Esperidião, fundadora da Ong Mães da Sé

Para Ivanise Esperidião, fundadora do movimento Mães da Sé, que trabalha na divulgação de crianças desaparecidas, a adoção ilegal é um crime muito comum no Brasil, mas pouco denunciado. “Nós sabemos que muitos casais estrangeiros vêm ao Brasil buscar crianças para levá-las para o exterior. Existem abrigos que possuem até uma espécie de UTI neo-natal; e isso envolve juízes, advogados, uma série de pessoas que facilitam essa prática e lucram com ela. O problema é que nós não sabemos para onde essas crianças estão indo ou se estão sendo exploradas por redes internacionais de tráfico humano”.

Em 2013, a CPI do Tráfico Humano alertou para outras formas de exploração de crianças e adolescentes, como o tráfico de garotos em escolinhas de futebol e agências de modelos que recrutam adolescentes.

Em abril deste ano, o Papa Francisco fez um pronunciamento na 2ª Conferência Internacional sobre Combate ao Tráfico Humano. Em seu discurso, o Pontífice recordou que o tráfico de pessoas é uma “chaga” na sociedade contemporânea e na carne de Cristo, e que os esforços e as estratégias para se combater o tráfico “devem ser acompanhados da compaixão evangélica por mulheres e homens vítimas deste crime”, salientou Francisco.

Neste ano de 2014, a CNBB trouxe o tema do tráfico de pessoas para a Campanha da Fraternidade. Mas este não deve ser apenas uma reflexão de Quaresma; é preciso que nós, cristãos e homens de boa vontade, estejamos cientes de que tantos irmãos e irmãs, filhos de Deus, estão sendo tratados como mercadoria, e nós não podemos nos calar diante desse crime contra a humanidade.

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2 Comments to Tráfico humano, a escravidão dos tempos modernos

  1. Kamila Ferreira's Gravatar Kamila Ferreira
    6 de novembro de 2014 13:51 Permalink

    Excelente reportagem! Abordaram temas importantíssimos. Só gostaria de ressaltar que o Ligue 180, da Secretaria de rnPolítica Para Mulheres também faz um trabalho voltado para o trabalho escravo e o Tráfico de Pessoas, onde registram a denúncia e passam as orientações necessárias para a pessoa que está denunciando. A Igreja foi sábia em abordar o Tráfico Humano na Campanha da Fraternidade deste ano. Paz e Bem!

    • Alejandra's Gravatar Alejandra
      13 de fevereiro de 2016 13:34 Permalink

      Ole1,a banda agradece os eloogis quando compus a musica quis dar um sentido amplo a ela, dando a Jornada um sentido de caminhada com Deus, e que esse caminho e9 arduo e cheio de barreiras, mas que cristo vai conosco e nos faz vencer cada obste1culo Cristo venceu tudo na cruz e nos encina a trilhar essa jornada, temos a sua marca , sua cruz e vamos pelo mundo levando,transmitindo esse amor que ele nos faz sentir para os outros. Nessa Jornada levo o meu amor .Um Forte abrae7o a todos e que Deus os abene7oe pelas me3os de Maria! RocK e Une7e3o!! Ue9berton Andrade Tempo de Une7e3o.